A eterna imprecisão do Valor de um negócio – Por Carlos Barbosa

*Coluna por Carlos Barbosa, 15/03/22

É natural o desejo e a preocupação de um empresário em conhecer quanto vale o seu negócio. Essa busca é válida à medida que os participantes do mercado procuram informações mais úteis à gestão do negócio, assim como todos estão passíveis de processos de aquisição e dissolução de negócios, investimentos, recuperação judicial, saídas de sócios, dentre outros motivos. A princípio, é compreensível que o empresário busque variáveis mais palpáveis como os Ativos e Passivos Tangíveis, a saber: imobilizado, estoques, caixa, aplicações financeiras, clientes, dívidas com instituições financeiras, dentre outros. Tais informações podem ser visualizados na demonstração Contábil mais procurada para fins de conhecimento do Patrimônio: o Balanço Patrimonial, onde estão configurados os bens, os direitos, as dívidas e o Patrimônio Líquido de uma empresa. Mas isso, por si só, está longe de ser o senso comum do valor de um negócio, principalmente pelo fato de que os demonstrativos Contábeis não deitam em áreas exatas mas muito mais nas sociais, e também porque, apesar desses demonstrativos serem embasados em normas técnicas, ainda assim trazem muita subjetividade nos contextos. Isso mostra que a atribuição de valor é algo que se tornou mais complexo do que se desejava e que não é tão óbvio ou está tão à mão quanto se pode imaginar.

Segundo Damodaran (2006, tradução nossa), é absurda a argumentação de que qualquer preço pode ser justificado se houver alguém disposto a pagar por ele. O autor ainda menciona que ativos devem ser negociados através da sua capacidade de gerar fluxos de caixa (recursos financeiros) e não através de razões estéticas, emocionais ou por expectativas de que algum dia alguém pague pela sua precificação. Por isso, o uso do processo de calcular o Valor de uma Empresa ou mais comumente chamado de Avaliação de Empresa (Valuation) consagrou o método do Fluxo de Caixa Descontado (FCD) como um dos mais difundidos pelo autor, na tentativa de buscar um valor intrínseco e mais ajustado ao negócio. Esse método usa estimativas representativas de todas as entradas e saídas de recursos financeiros do negócio, dentro de um período considerado, e depois descapitaliza todo esse fluxo financeiro a uma taxa prevista de risco, resultando em um valor líquido no momento atual da negociação. Apesar do método ter vasto reconhecimento no mercado, Damodaran (2006), porém, alerta para três pontos importantes, intrínsecos ao processo de Avaliação de Empresa: os vieses dos analistas ao calcularem os números (otimistas e/ou pessimistas); as incertezas associadas à macroeconomia, a erros de cálculo e à incapacidade de acertar o futuro; e a complexidade gerada pela tecnologia, ao trazer maior detalhamento de dados que muitas vezes só servem para confundir. Pressupõe-se que estes três pontos podem levar a distorções e a incoerências no cálculo do valor do negócio estudado no método do Fluxo de Caixa Descontado (FCD). Ao usar previsões como o percentual de crescimento de vendas da empresa, a longo prazo, assim como a taxa aplicada para descontar o fluxo financeiro, dentre outras, isso é suficiente para haver questionamento sobre a qualidade do resultado da mensuração, visto que são variáveis que contém grande subjetividade associada a predições macroeconômicas e políticas.

A evolução dos mercados e a sofisticação dos negócios têm provocado nas normas Contábeis adaptações metodológicas para que seus registros sejam capazes, cada vez mais, de serem mensurados a valores que reflitam o pensamento do mercado, o que traz mais utilidade a todos os interessados no negócio (stakeholders). Isso traz a esses números lidos, uma percepção de uma realidade mais atualizada, gerando no leitor dos demonstrativos um entendimento melhor do posicionamento da empresa no mercado. Uma grande contribuição Contábil nesse sentido foi a oficialização da abordagem do Valor Justo, uma forma de mensurar o valor de itens individuais (ativos e passivos) do negócio, considerando que as partes envolvidas estejam desejosas de negociar, em valores acordados entre elas e atualizados ao mercado (CPC 46, 2012). Essa abordagem busca manter os itens patrimoniais em sintonia com a avaliação de mercado. Para a construção do Valor Justo, quando se fala de mercado, pode-se tomar como valor de base as ações negociadas na Bolsa de Valores ou então o ambiente onde se visualiza o valor mais vantajoso para a negociação. Quando nenhuma destas duas opções existe, então deve-se usar métodos de estimativa de avaliação, como o Fluxo de Caixa Descontado (FCD), abraçado nas obras de Damodaran. É importante frisar que, a aplicação do Valor Justo restringe-se  àqueles itens patrimoniais definidos nos Pronunciamentos do CPC. Como se vê, essa forma de mensurar através do Valor Justo abandona definições da empresa e entra em um campo mercadológico. Além disso, o Valor Justo ainda traz à discussão características que devem ser consideradas, no objeto da negociação, que certamente farão diferença na tentativa de se chegar ao Valor da empresa, como: a localização (ex.: ponto de venda) e a condição do ativo ou a sua capacidade de continuar contribuindo no desempenho da empresa (geração de benefícios econômicos). Foi em 2011 que o IASB emitiu a norma técnica internacional IFRS 13, oficializando assim a abordagem organizada e definitiva do que caracterizaria a mensuração pelo Valor Justo. Essa norma passou a ser aplicada ao Brasil em dezembro de 2012, quando o CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis) emitiu o CPC 46 (Mensuração do Valor Justo), e em seguida foi aprovado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade) (GELBCKE, 2021). A aplicação do Valor Justo nos ativos e passivos da empresa impacta diretamente o saldo do Patrimônio Líquido, que é a parte do Balanço que revela o Valor Contábil de um negócio.

Apesar do Valor Justo ser um importante ponto de mudança Contábil para as avaliações do negócio, mas mesmo assim existe um elevado nível de subjetividade envolvido nas suas regras de mensuração. Além disso, vale ainda ressaltar que, como o Valor Justo não abrange todos os itens patrimoniais (ativos e passivos), pois algumas normas técnicas do IFRS e, consequentemente do CPC, usam outras formas de mensuração para alguns itens do Balanço, então isso acaba por misturar técnicas e finda por adicionar outro fator gerador de discussão.

O valor de um negócio pode estar associado a características fortes de Intangibilidade como a força da marca, a reputação da empresa, o seu capital intelectual, o relacionamento com clientes e fornecedores, a carteira de clientes, as patentes, dentre outros. Esse é um assunto que adiciona mais dificuldades à construção do Valor de uma empresa, pois são itens que também possuem elevado grau de subjetividade, mesmo aqueles que são tratados em normas técnicas do IFRS e do CPC. Segundo a revista The Economist (2019), muitas das grandes empresas americanas, como o McDonald’s, apresentam Valor Contábil negativo, considerando que o valor da sua marca não está no seu Balanço. Outras empresas mostram Valor Contábil reduzido quando comparado ao Valor de Mercado (ações, por exemplo). Para apresentar mais um complicador, cito as situações de fusões de empresas, cuja parte compradora passa a apresentar o valor do Intangível nas suas demonstrações Contábeis, enquanto este valor talvez sequer existisse nas demonstrações da empresa vendedora, considerando que ele possa ter sido revelado apenas em função do momento da negociação. Esse assunto da intangibilidade veio à tona com mais força com o advento da era digital e dificulta sobremaneira a avaliação das empresas.

Como se pode perceber, o processo de avaliação de um negócio é de grande complexidade. Nem as demonstrações Contábeis, ainda que atentas ao assunto, e nem os demais métodos de avaliação encontrados no mercado, conseguem alcançar a construção de um Valor mais próximo do dito verdadeiro das coisas. A cada dia os relacionamentos no mercado adquirem mais poder de gerar valor. A tangibilidade vai dando lugar à intangibilidade nesse mundo onde a subjetividade faz parte da vida comum. A busca por se conhecer o “verdadeiro” Valor para um negócio é uma constante que os experts não cansam de tentar. Mas infelizmente, a verdade dura é que, por enquanto, a imprecisão é quem dita as regras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAMODARAN, A. Damodaran on Valuation: security analysis for investment and corporate finance. 2. ed. New Jersey: Wiley, 2006.

GELBCKE, E. R.; IUDÍCIBUS, S.; MARTINS, E.; SANTOS, A. Manual de Contabilidade Societária: aplicável a todas as sociedades de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2021.

Pronunciamento Técnico CPC 46 – Mensuração do Valor Justo. Comitê de Pronunciamentos Contábeis, 2012. Disponível em: http://static.cpc.aatb.com.br/Documentos/395_CPC_46_rev%2014.pdf. Acesso em: 13 mar. 2022.

Why Book value has lost its meaning? The Economist. Mar. 2019

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.

Receba as últimas notícias do Economic News Brasil no seu WhatsApp e esteja sempre atualizado! Basta acessar o nosso canal: CLIQUE AQUI!

conteúdo patrocinado

MAIS LIDAS

conteúdo patrocinado
conteúdo patrocinado