A herança não é só dinheiro – Por Aletéia Lopes

Especialista em gestão de empresas familiares

*Coluna por Aletéia Lopes, 14/03/2022

Em muitas famílias de grandes posses é possível ver a preocupação de seus patriarcas e matriarcas com relação à herança que vão deixar para seus filhos, mas na maioria dos casos o foco é apenas sobre os bens materiais, esquecendo que há muitos outros tipos de bens que serão deixados para os herdeiros, pois a herança vai muito além do fator patrimonial.

Apesar de nem sempre estarmos atentos para isso, a herança adentra até mesmo na área comportamental. Existe um fenômeno que pode ser explicado pela psicologia, mas ainda é pouco explorado, chamado efeito transgeracional que são características passadas de geração a geração e que muitas vezes você carrega consigo, mas não tem noção que elas têm uma fonte, não são originalmente suas, mas foram transmitidas a você por seus antecessores.

Portanto, há vários tipos de heranças, vou aqui citar os mais comuns: patrimonial, comportamental e biológica. E uma influencia a outra. Do mesmo jeito que uma herança comportamental pode influenciar em um processo de herança patrimonial, a herança biológica também pode.

Culturalmente, no Brasil, geralmente cabe ao filho mais velho assumir o lugar do pai, porém este filho mais velho adquire uma herança biológica comprometida, imagine o desafio que se apresenta diante dessa empresa, dessa família e deste filho. Ele carrega sobre si o peso de estar à frente de uma empresa e não tem nem saúde emocional para isso. A ideia que “o filho mais velho é quem assume a empresa” envolve também a questão de gênero, onde quem na maioria das vezes herda a empresa é o filho homem em detrimento da filha mulher. Uma ideia que precisa ser ultrapassada.

Já houve casos, durante minha consultoria, em que precisei retirar o herdeiro da empresa porque ele estava sucumbindo e adoecendo a cada dia. Foi acometido de depressão por assumir uma posição que não tinha estrutura para assumir. Por isso os fatores biológicos podem vir como herança, mas também podem ser afetados pós herança. Então, ao adentrar o universo dos fundadores, herdeiros e sucessores temos que possuir um olhar sistêmico sobre os vários tipos de herança que envolvem o cenário organizacional.

Por exemplo, há famílias em que cada geração têm o seu ‘bode expiatório’, que é aquele que carrega todos os problemas da família sobre ele; já outras têm o ‘paciente identificado’, que é aquele que precisa adoecer para conseguir mostrar para a família que na verdade todos ali estão doentes, ou seja, tudo isso provavelmente pode acontecer de uma maneira velada, mas ainda assim, um dos membros familiares acaba ficando enfermo para mostrar que as relações naquela família não estão saudáveis. Esses são alguns exemplos de problemas que podem se tornar transgeracionais e serem repassados como herança, se não forem tratados devidamente.

O que dificulta e muito o tratamento de questões como essas é que muitas vezes, boa parte das empresas familiares só enxerga a herança como patrimônio e é nesse olhar reducionista que encontramos o grande erro. Quando não se considera que a herança envolve também fatores comportamentais e biológicos, e assim, o que se vê de solução para esta família é muito incipiente.

Muitas vezes é preciso se aprofundar na relação familiar, no estudo da família de origem, dos antepassados e desenhar o genograma da família. Precisamos trazer à tona tudo aquilo que não é dito nos testamentos e inventários, mas que também se tornam herança.

Portanto, o termo herança se torna bastante amplo, pois se refere a tudo que você recebe da sua família de origem, desde a genética passando por patrimônio e por fenômenos comportamentais.

*Aletéia Lopes é escritora e diretora da HerdArs com experiência em projetos de governança para Famílias Empresárias e formação de Herdeiros/Sucessores. Mentora estratégica de executivos familiares e mediadora de conflitos. Graduada em Serviço Social, com formação em Mentoring, Coaching, Constelação Sistêmica e Terapia Familiar. Membro do Instituto Brasileiro de Governança corporativa – IBGC/Ce. Diretora de Governança da Câmara de Comércio e Indústria Brasil e Alemanha no Ceará – CCIBAC.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.

 

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